Cinquenta tons de cinza


Não, depois de contar que voltei a ficar mocinha aos 63(veja no texto anterior), não vou falar das minhas aventuras eróticas, embora assunto não faltasse, para quem está bem acompanhada e sob os efeitos da reposição hormonal. Após um fim de semana buscando algum encanto nas ruas de São Paulo para alegrar minhas caminhadas matinais, constato, aliviada, na volta ao Rio, a beleza da cidade. Mesmo sob a luz difusa dos 50 tons de cinza.
Assustada diante da perspectiva de um verão tórrido sem horário de verão, quando o calor já esturrica às seis da matina, me deleito com o clima nublado, de temperaturas amenas neste mesmo horário, quando abrem os portões da Pista Cláudio Coutinho, na Urca. Virou meu roteiro preferido e não adianta chegar lá antes das seis, apesar do sol já estar elevado e o asfalto emanar ondas quentes, quase visíveis a olho nu.
Qual a cidade capaz de encantar qualquer visitante mesmo sem uma nesga de raios solares à vista? Respondo, sem titubear: o Rio de Janeiro. Na Praia de Botafogo, o rei sol encoberto por uma fina camada de nuvens produz uma intensidade de luzes que refletem em meio aos barquinhos docemente ancorados na enseada. É nítido o contorno do Pão de Açúcar, com seu inusitado, pontiagudo e curvilíneo perfil de cartão postal.
Na Avenida Pasteur, para colaborar com as nuances predominantes, floresce um ipê branco, tão belo quanto raro. Na pista, a faixa mais extrema do horizonte brilha, prateada, e leva a imaginação para onde nem as embarcações são capazes de conduzir. E a variedade de cinzas é incontável, a começar pelo mar, passando pelas montanhas e, finalmente, no céu, onde as nuvens fazem um balé alternado pelas frestas de luz por onde o sol consegue escapulir.
E na volta, me deparo com o Cristo de braços abertos sobre o Corcovado, um pouco mais sisudo nessa variação de tonalidades. Nem por isso, menos belo ou imponente. É pouco ou quer mais?
Sim, elejo os 50 tons de cinza como ideais para quem busca o prazer nesses deslocamentos ao amanhecer. Agradáveis e, mesmo se não tão belos quanto sob um intenso céu azul e sol escancarado, capazes de inspirar qualquer mortal.
Por enquanto, as previsões para o verão 2020 ainda oscilam. Fala-se no fim do El Niño, anormal aquecimento das águas do Oceano Pacífico Equatorial, que tende a intensificar o calor ao bloquear as frentes frias. Especula-se a chegada de La Niña, fenômeno inverso. Portanto, a garantia de felicidade são os dias nublados. Que venham!


  



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