De volta à meditação

Reserva ambiental no Mosteiro Morro da Vargem

Era o ano de 2002, quando um querido fotógrafo que trabalhava comigo na IstoÉ me falou de um mosteiro budista em Ouro Preto. Até então, minha experiência com o budismo se limitava ao Kum Nye, técnica desenvolvida pelo Lama tibetano Tartang Tulku, com interessantes ensinamentos, porém, pelo que eu conhecera, sem muita prática de meditação. Resolvi tentar um sechin – retiro de 3 dias em Ouro Preto.
Cheguei ao Mosteiro Pico de Raios após cansativa viagem de ônibus e fui conduzida por um táxi até o alto do morro onde o mosteiro era instalado, vista de 360º para Ouro Preto. Fui recebida pela monja Mariângela. “Bom dia, sou a Celina, do Rio.”, disse. “Eu sei, você estava sendo aguardada”, respondeu ela, friamente. 
O local era da mais absoluta simplicidade. Mariângela me introduziu às normas da casa, trabalho de limpeza, despertar às 4h30,  primeira oração seguida de zazen, kihin zazen, e esclareceu como era o zazen: 40 minutos de meditação em posição de lótus voltada à parede. Sem pensar em nada. E vários zazens ao longo do dia, num total de 6h de meditação não consecutiva. A comida, vegetariana, feita pela própria monja.
A primeira meditação foi bem estranha. Os pensamentos vinham, claro, e eu achava que aquela seria uma missão impossível. Atravessar aqueles 40 minutos era um sacrifício, ainda mais quando vinham seguidos de kihin – dez minutos de lenta caminhada em círculos – e outro zazen. “O que estou fazendo aqui?”, me perguntava.
No primeiro dia entendi que o silêncio era incluído no pacote. Até que se juntou a nós uma americana que vivia em Belo Horizonte. Recebeu as instruções de Mariângela e só pode abrir a boca às 15h, hora do chá no alto da casa, diante da estonteante vista ao redor. “Estou aqui porque  me desentendi com minha mulher”, ela disse com forte sotaque. “Nossa, acho a parceria homem mulher tão completa... aliás, sinto saudades de namorar”, respondeu a monja com naturalidade, sem tom de condenação. Não acreditei no diálogo que acabava de ouvir, após tanto silêncio...
No terceiro dia já me acostumara àquela rotina, até que chegou a hora de partir. Nos despedimos carinhosamente e segui para a rodoviária. Só então tive a dimensão do que acontecera comigo. Difícil descrever a sensação de bem estar, me sentia como um ET em meio à civilização ouropretana. Se a viagem de ida fora sacrificada, a de volta foi paradisíaca. Compreendi então o poder da respiração e decidi: vou fazer zazen todo dia.
Quando voltei achei por bem largar as bebidas alcoólicas e demais aditivos: não precisava de nada daquilo para ser feliz, concluí. “Só espero que não desista do sexo”, reagiu meu marido com o humor que lhe é peculiar. Começaram aí meus cinco anos consecutivos de zazen diário em qualquer situação, inclusive, por exemplo, no aeroporto de Joanesburgo, na escala para a Índia, onde fui fazer reportagem sobre Amma, a líder espiritual que  abraças as pessoas.
Depois descobri outro lugar interessante em Ibiraçu, no Espírito Santo, o Mosteiro Zen Morro da Vargem, construção de estilo oriental que me conduziu ao Japão, em meio a uma reserva ambiental. Com a mesma maratona de horas de meditação, porém,  cheio de gente que falava, ou não, com menos rigor que o de Pico de Raios. Daiju, o monge responsável, de intensos olhos azuis, era mais flexível que Mariangela – de quem acabei ficando amiga – e a estadia foi muito agradável. No entanto, nunca voltei a sentir aquela intensa sensação de felicidade da minha primeira em Ouro Preto.
Paralelo ao zazen, concentrei minhas leituras no budismo. Tinha uma infinidade de livros sublinhados e a cada dia me encantava mais com a filosofia. Até que um dia uma colega da IstoÉ me pediu meus livros emprestados para fazer uma foto para uma reportagem e nunca mais os devolveu. Custei a perceber o ato, não sei se de puro desleixo ou sabotagem, e fui aos poucos esfriando meus hábitos, sem deixá-los totalmente de lado. Até que resolvi desistir do zazen diário, enquanto tentava me manter coerente ao que aprendi, o que não foi difícil, porque já se impregnara em mim. E já tinha voltado ao vinho e cervejinhas de fim de semana.
Para resumir: há três anos encontrei uma monja budista no hortifruti, que me falou da nova sede do Centro Shiwalha, em Laranjeiras, perto de casa. Comecei a frequentar o encontro aberto à quartas-feiras, conduzido por Sheila, a simpática e dedicada praticante leiga. Aos poucos substituí o rigor do zen, cuja simplicidade me fascinou, pela ‘permissividade’ do budismo tibetano, no caso, da linhagem de Dalai Lama. Digo permissividade porque a orientação de não pensar em nada foi substituída por “se os pensamentos vierem entre em contato com eles e volte à respiração”, por duas sequências de 20 minutos concluídas pelo kihin. Neste último, o que mais me impressiona é o olhar onipresente e generoso da imagem de Dalai Lama. E em dezembro retomei minha rotina diária da meditação, bem mais leve, por de cinco a 20 minutos, menos rigorosa, entretanto igualmente importante para minha viagem interior.  
No Mosteiro Pico de Raios
Mosteiro Shiwalha
Em casa, no zafu que mandei fazer em 2002 


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