Covid-19 & Peste Negra
Ilustração de Refúgio amoroso, em Decameron |
Giovanni Bocaccio |
Embora o coronavírus tivesse chegado às Américas pelo andar de cima, pelos com
poder econômico para viajar pela Europa e Ásia, hoje ele mata mais nas favelas da América Latina. Só no Rio, são mais de 1,3 milhão de morando em comunidades. Mesmo
nos EUA, os índices de contaminação e mortes nos bairros pobres predominam nas
estatísticas.
Pois na
Idade Média não era diferente, conforme a historiadora americana Kathryn
McKinley. Graças ao escritor italiano Giovanni Boccaccio (1313-1375), filho ilegítimo de um banqueiro
florentino, foi possível conhecer a maneira seletiva, sob o olhar de um membro
da classe média, de como a Peste Negra* se abateu sobre a Europa, a partir de 1348. Só isso
explica seu interesse em incluir na obra as relações entre comerciantes e
criados, quando a literatura medieval se restringia a abordar a nobreza.
E foi esse o tema de suas 100 novelas
intituladas Decameron. Apesar de fictícias, elas trazem a vida medieval
durante a pandemia que matou de 40% a 50% dos europeus, inclusive membros da
família do próprio Bocaccio.
Já na
abertura da obra, o italiano descreve os ricos que se isolam em casa, onde
desfrutam de vinhos e provisões de qualidade, música e outros entretenimentos.
Os muito mais ricos — que Boccaccio descreve como "cruéis" —
abandonaram seus bairros, retirando-se para propriedades
confortáveis no campo "como se a praga visasse prejudicar apenas os que
restavam dentro das muralhas da cidade". Semelhante ao que se vê
nessa versão 2020 de pandemia.
Enquanto
isso, a classe média ou pobre, forçada a ficar em casa, "pegou a praga aos
milhares ali mesmo em seu próprio bairro, dia após dia" e foi rapidamente dizimada.
Os servos continuavam a se dedicar aos doentes das famílias ricas e acabavam
por se contaminar, como no Rio de Janeiro, onde o primeiro caso foi o da empregada
de uma moradora do Leblon, um dos mais nobres bairros da cidade, recém chegada
da Europa.
Resta
saber se as ondas de solidariedade observadas dessa vez serão capazes de mudar
para melhor a face da sociedade que vai emergir dessa pandemia. Vamos torcer!
* A Peste Negra se originou do bacilo Yersinia pestis, veio da China para a Europa no século XIV e sua propagação começou pelo bacilo que infectava as pulgas existentes nos ratos. Chamou-se peste negra porque provocava manchas negras na pele, ou bubônica, por causa dos bolbos que se formavam no corpo. Matava de forma dolorosa e rápida.
Òtima analogia... excelente lembrança
ResponderExcluirInfelizmente a história se repete...
ResponderExcluirMuito bom!
ResponderExcluirMuito triste. Celina ainda assim , incorrigível que sou acho que o ser humano pode aprender algo. Bjs
ResponderExcluirAssim esperamos!
ResponderExcluirÉ a história se repete...
ResponderExcluirEduardo Galeano: " A justiça é como uma serpente, só morde os pés descalços ".
Uma amiga tentou escrever aqui, e não conseguiu, algo muito interessante. Segundo ela, a Peste Negra marcou o fim da Idade Média, porque morreram tantos camponeses que os poucos que sobraram passaram a ser disputados. Com isso, começaram a cobrar salário!
ResponderExcluirA Peste Negra que atingiu a Europa no séc 14 foi tão violenta que contribuiu para o fim do feudalismo. Abalou a fé na igreja --- já que Deus mandou a doença atacar ricos e pobres -- fazendo com que surgissem novas ideias de igualdade social e autoestima. Diante da escassez de mão de obra (1/3 da população dizimada), camponeses puderam, pela primeira vez, negociar melhores condições de trabalho e remuneração. Impostos caíram e salários subiram.
ResponderExcluirA drástica queda na população também fez com que houvesse excesso de oferta de alimentos e outros produtos, reduzindo preços.
Com tudo isso, a qualidade de vida melhorou para aqueles que sobreviveram à praga. Já nós, a ver que mundo teremos pós peste de 2020.
Interessante e enriquecedora a informação!
ResponderExcluirComo diz você, ainda bem que na próxima também não estarei mais por aqui para conferir...
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