Mistério de “A Noite Estrelada”


Hoje não vou falar de Covid-19 e nem das boçalidades de Bolsonaro. No ano passado, tive o privilégio de me deslumbrar com a exposição “A Noite Estrelada”, no Atelier Lumière, de Paris. A magnífica obra de Van Gogh era projetada em paredes monumentais de um galpão, como se estivéssemos dentro das telas e da turbulenta trajetória do pintor holandês (1853-1890). O quadro que nomeou a mostra foi criado em 1889, no auge de sua luta com a doença mental após mutilar a própria orelha, durante a voluntária internação no manicômio. Agora, novas pistas revelam facetas ainda desconhecidas sobre a lendária obra.

Quem nos leva a elas é Natalya St. Clair, autora do livro “A Arte do Cálculo Mental”, onde explora como “A Noite Estrelada” lança luz sobre o conceito de fluxo turbulento na dinâmica de fluidos, uma das  mais complexas ideias de física. O conceito é relativo à percepção que o cérebro tem da luz e do movimento, que nos permite ver os trabalhos impressionistas como se estivessem tremendo. Van Gogh e outros impressionistas representaram a luz de uma maneira inédita, dando a sensação de captar seu movimento, por exemplo, pelos reflexos do sol na água, ou na luz das estrelas que cintila e se atenua através das ondas leitosas do escuro céu azul noturno. O efeito é provocado pela luminância, a intensidade da luz nas cores sobre a tela.

Conforme Clair, essa percepção ultrarrealista ocorre porque a parte mais primitiva do córtex visual vê o contraste da luz e do movimento, e não as cores; mistura duas áreas com cores diferentes se tiverem a mesma luminância. Já a subdivisão primata do  cérebro vê as cores contrastantes, sem misturas. Como as duas interpretações são simultâneas, a luz em muitas obras impressionistas parece pulsar, cintilar e radiar de forma estranha. O efeito é acentuado pelas pinceladas fortes e rápidas, típicas dos impressionistas, para captar de forma espantosamente real os movimentos da luz.

Os pesquisadores digitalizaram pinturas de Van Gogh e mediram a variação da luminosidade entre dois pixels. Concluíram que as pinturas do período de agitação psicótica de Van Gogh comportam-se de modo semelhante à da turbulência de fluidos. Já o autorretrato de 1887, época mais calma em sua vida, por exemplo, não denota tal correspondência.

Autorretrato de 1887
Se Van Gogh deixou alguma pista para elucidar esse mistério, teria sido essa: “Quando sinto uma terrível necessidade de religião, saio à noite para pintar as estrelas.”

Estátua de Van Gogh no Museu Tussauds, em Londres
 

 

 

 

Comentários

  1. Artistas! Ah, estes loucos sonhadores, estes que mergulham na escuridão e nela encontram a luz que podemos nós apenas vislumbrar.
    Atormentado e genial este pintor de estrelas e girassóis. Obrigada Celina.
    A luz outonal, quase invernal,linda, invadiu minha manhã sem estrelas hoje. Bjs

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  2. Ou seja. Não existe o que vemos, mas o "como" vecmos. E deve variar de cérebro para cérebro.

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  3. O artista deixou-nos essa obra extraordinária, mas prefiro discorrer sobre seu texto, Celina. É primoroso.

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