O desejo supera a necessidade

 Em janeiro foi noticiado que a Apple, Amazon, Alphabet (dona do Google), Microsoft e Facebook valiam, juntas, a bagatela de US$ 5 trilhões – três vezes mais que o PIB brasileiro. O que elas produzem para valer tanto dinheiro? Teriam sido os chips, bits e bytes, o domínio dos e-mails, do e-commerce e o e-government que alçaram seus proprietários à fortuna?

Uma primeira explicação poderia ser a “economia da atenção”, pela qual o negociante atrai a atenção alheia e a vende com milhares de dados individualizados sobre cada um que, em meio à multidão, feito abelha no mel, tem seu olhar atraído para as telas eletrônicas. Ou seja, os conglomerados da era digital elevaram o velho negócio do database marketing à potência máxima, com informações precisas sobre as pessoas e desenvolvimento de técnicas neuronais capazes de magnetizar os sentidos do público. Tudo isso se chama extrativismo virtual.

Não explica tudo, porém. A capa da The Economist, de maio de 2017, anunciava as pessoas como o ‘novo petróleo’. Esse seria o resultado do cruzamento de dados pelos algoritmos e fórmulas insondáveis, que antecipam as partículas infinitesimais do humor e dos rumos de cada um dos bilhões de clientes. Detalhe: são dados 100% confiáveis, que não mentem jamais, capazes de captar características como se a pessoa vai desenvolver o coronavírus, e quando, ou qual o grau de relaxamento da pessoa ao ouvir a voz do guru predileto.

Teria sido justamente esse ‘novo petróleo’ o responsável pelos tais cinco trilhões e  pela reviravolta do mercado global, com a mudança de mãos do dinheiro. Entretanto, conforme Eugênio Bucci, do Estadão, a causa mais determinante para explicar essa impressionante fortuna é a profunda mutação do capitalismo: as mercadorias físicas, ou as coisas úteis, passaram ao segundo plano, enquanto a fabricação industrial de signos assumiu o comando da geração de valor. Quer dizer, o capitalismo aprendeu a confeccionar e entregar, com imagens e palavras sintetizadas industrialmente, os objetos imaginários necessários para o sujeito saciar o seu desejo.

Por trás da extração de dados, portanto, existe outro negócio ainda mais poderoso: a industrialização da linguagem. Trocando em miúdos: hoje o capital trabalha para o desejo, e não mais para a necessidade. Esses conglomerados digitais dominaram a industrialização da linguagem voltada ao desejo para, assim, atrair o trabalho do planeta a seu favor.       

Comentários

  1. Por essas e outras, quero morar no mato.

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  2. A necessidade nos obriga a, de alguma forma e sempre que possível, resolve-la; o desejo no impulsiona, nos lança, sem medidas na busca para satisfaze-lo! Na história da humanidade não novidade nisso, apenas lançaram mão do que está latente em nós!

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