Papa Francisco põe dedo na ferida

 


Mais uma vez, o papa Francisco semeou sabedoria e humanidade na sua nova encíclica, “Fratelli tutti”. Nela, um consolo aos brasileiros que vivem o pandemônio, ao citar Vinícius de Morais: “A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro na vida”.

O sumo pontífice começa por criticar a atual conjuntura mundial, conforme reproduziu Frei Betto: “Com base nas várias respostas dadas pelos diferentes países (à Covid-19), ficou evidente a incapacidade de uma ação em conjunto. Apesar de estarmos superconectados, verificou-se uma fragmentação que tornou mais difícil resolver os problemas que nos afetam a todos”. E verifica:

 “A história dá sinais de regressão. Reacendem-se superados conflitos anacrônicos, ressurgem nacionalismos fechados, exacerbados, ressentidos e agressivos. Em vários países, certa noção de unidade do povo e da nação, penetrada por diferentes ideologias, cria novas formas de egoísmo e de perda do sentido social mascaradas por uma suposta defesa dos interesses nacionais”. 

Papa Francisco critica os povos que alienam suas tradições e, “por mania imitativa, violência imposta, imperdoável negligência ou apatia – toleram que se lhes roube a alma, perdem, juntamente com a própria fisionomia espiritual, a sua consistência moral e, por fim, a independência ideológica, econômica e política’

E aponta formas que estão em uso para dissolver a consciência histórica , o pensamento crítico e a justiça. “É esvaziar de sentido ou manipular as ‘grandes’ palavras. Que significado têm hoje palavras como democracia, liberdade, justiça, unidade? Foram desfiguradas para serem usadas como instrumento de domínio, como títulos vazios de conteúdo que podem justificar qualquer ação”. 

Para ele, a política deixou de ser um debate saudável sobre projetos a longo prazo para o desenvolvimento de todos e o bem comum, “limitando-se a receitas efêmeras de marketing, cujo recurso mais eficaz está na destruição do outro. Neste mesquinho jogo de desqualificações, o debate é manipulado para ser mantido no estado de controvérsia e contraposição” 

O papa aponta ainda o controle “sutil e evasivo” realizado pelos gigantescos interesses econômicos do mundo digital, “criando mecanismos de manipulação das consciências e do processo democrático.” E descreve as estratégias adotadas por uma - não citada nominalmente - extrema-direita:

 “O funcionamento de muitas plataformas acaba por favorecer o encontro entre pessoas com as mesmas ideias, dificultando o confronto entre as diferenças. Estes circuitos fechados facilitam a divulgação de informações e notícias falsas, fomentando preconceitos e ódios”.

Alguém consegue se enxergar nesse espelho? É um bálsamo ouvir uma voz de lucidez neste novo mundo de mentiras e  ódio abundante.

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