Perfume de liberdade
Um ano sem ir ao cinema para uma cinéfila como eu é quase como passar fome. Essa semana fiz um teste de covid e o resultado deu positivo. Tive a doença, assintomática, possivelmente na mesma época em que que meu marido adoeceu. A bordo de meus anticorpos, a única pequena mudança que introduzi nessa vida de pequenos prazeres – o que já é uma vantagem diante de tanta dor – foi a volta à tela grande. Estava conformada em ver bons filmes na Netflix, porém, todos os meus sentidos foram inundados por uma enxurrada de emoções.
Enquanto o
genial franco belga “Belle Époque”, de Nicolas Bedos, desfilava diante meus
olhos atônitos, quase como se fosse a primeira vez, um turbilhão de sensações adormecidas
brotava dentro de mim. A permissão de sentir a respiração como se não existisse a
voracidade do vírus, o privilégio de deixar fluir os sentimentos, o
encantamento diante de um roteiro criativo. Perfume de liberdade.
Tudo com o charme maduro e magistral desempenho de Fanny Ardand, em contraste com a beleza,
determinação e juventude de Doria Tillier, que parece encarnar a estrela do
momento do cinema francês.
A trama
gira em torno do produtor/roteirista vivido por Guillaume Canet, o exigente
mestre dos cenários de época. São o seu talento e profissionalismo, regados a
um gênio irascível, que devolvem a vida ao desenhista encarnado por Daniel
Auteuil, também magnífico como o deprimido, que perde o interesse da mulher e acaba por resgatar a vontade de viver pela sua veia de artista.
Não consigo
distinguir se o filme foi assim tão maravilhoso ou se foi meu reencontro com a quinta arte, numa sala – com os necessários protocolos - onde só havíamos eu e outro
espectador. Já na entrada do Itaú Unibanco reinava um vazio, com paredes
despojadas das exposições de fotografias, o sumiço das poltronas, lanchonete e livraria
às moscas. Como num filme onde parece que algo de muito ruim vai acontecer.
Depois de
viajar naquelas duas horas, contudo, como se não estivesse aprisionada pelos rigores da
pandemia, reencontrei os mascarados nas ruas para me lembrar do que se passa na
vida real. Mantive minha máscara todo o tempo, que parecia invisível naquele
universo enredado pelo imaginário.
Era como se não estivesse mais condenada a censurar as manifestações de amor, como se a vida de repente
voltasse a trazer prazeres escancarados, talvez não tão valorizados assim antes
de tudo isso começar. O que inclui o país entregue ao pandemônio da patética
gestão Bolsonaro.
Quero crer
que aquilo foi parte do interregno que será retomado pelas vacinas que virão para libertar o planeta das pragas que
nos invadiram sem pedir licença, como se não houvesse permissão para a felicidade.
Com somente 2 espectadores por sessão, não vai durar muito. Aproveite enquanto é tempo.
ResponderExcluirCom somente 2 espectadores por sessão, não vai durar muito. Aproveite enquanto é tempo.
ResponderExcluirRecomendo!
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