Para o circo pegar fogo

Vivemos um momento tão surreal no país que as pessoas parecem ter se anestesiado. 

Enquanto nos descolamos dos índices mundiais de contaminação pelo coronavírus – sim, a pandemia começa a dar sinais de ceder no planeta, enquanto nós mantemos nossos casos e óbitos em ascensão –, a primeira mensagem enviada pelo presidente ao novo presidente da Câmara pede mais acesso às armas pela população. 

Quem pode achar isso normal?

Bolsonaro quer que cada brasileiro tenha ao invés de quatro – número já dobrado por outra medida sua de 2019 – seis armas dentro de casa. Imagina quanto não leva nesse lobby...

Os novos registros de armas concedidos pelo Exército bateram recordes entre 2019 e 2020: foram 178.721 armas, superando os registros de 2009 a 2018, quando havia 150.974.

 E Bolsonaro ainda diz que o povo está vibrando em se armar. Invencionice que só serviria aos ricos, porque os pobres continuarão a ser reféns da bandidagem, enquanto o Estado não consegue defendê-los.

Os apoiadores de Bolsonaro alegam queda nos homicídios em 2019, o que pode ter ocorrido no primeiro semestre. Em 2020, porém, o Monitor de Violência registrou 43.892 mortes violentas, contra 41.730 em 2019, ou seja, aumento de 5%. 

O economista Daniel Cerqueira, idealizador do Atlas da Violência, vê semelhanças entre a política de armas de Bolsonaro e da Covid-19: “São políticas anticientíficas, que desprezam a ciência.  Além disso, irresponsáveis, porque levam ao aumento de mortes no país", disse ele à BBC.

Segundo o Estatuto do Desarmamento, que o presidente quer detonar, a taxa média anual de crescimento dos óbitos por armas de fogo cresceu 6% entre 1980 e 2003, e caiu a 0,9% de 2003 a 2018. 

Em abril de 2020, Bolsonaro determinou ainda a revogação de três portarias que tornavam mais rígidos o rastreamento e identificação de armas e munições de proteger os cidadãos. 

A única explicação para isso seria armar milicianos para defendê-lo de um impeachment ou de derrota em 2022. Como ele ameaçou na invasão ao Capitólio, “aqui seria muito pior”. 

E o episódio com o pit bull Daniel Silveira ilustra esse estado de espírito.

Rodrigo Maia reagiu a esses arroubos presidenciais quando comandava a Câmara, o que já se sabe que Arthur Lira não pretende fazer. Que democracia é essa, incapaz de reagir à insanidade de Bolsonaro, que se lixa para os mais de 240 mil mortos e só quer ver o circo pegar fogo?