Barbárie no Parque Guinle

 

Quando batizaram os cisnes do Parque Guinle de Romeo e Julieta, jamais se poderia imaginar que a história do casal se transformaria numa tragédia shakespereana.

 Até porque a inspiração não veio do bardo de Avon, e sim do biscoito recheado de geleia de goiaba.

Há oito anos a aeromoça aposentada, Claudia Lustosa, fez a doação das aves negras ao Parque, que mais tarde passaria a administrar.

Elas juntaram-se aos gansos, marrecos e patos já presentes no lago que integra o paisagismo da antiga residência do empresário Eduardo Guinle, hoje um palácio onde o governador mora e recebe seus visitantes mais ilustres.

A bicharada que passeia livre por ali originou uma associação específica, dentro do grupo de moradores que passou a administrar a área verde, pulsante coração das Laranjeiras.

Primeiro foi Julieta, assassinada a pauladas pelo dono de um cachorro que a agredira, por ela ter reagido à agressão. 

E ontem o garboso Romeo se foi, morto por um morador de rua, pego em flagrante com a ave morta na vizinha rua Gago Coutinho. Preso e já em liberdade.

O casal jaz lado a lado naquele que poderia ser um paraíso.

Depois que sua Julieta se foi, Romeo passou a procriar com sua própria filha, Goiabinha, porque entre cisnes não existe incesto. Eles são puro amor e beleza. Várias proles nasceram depois que a primogênita partiu.

O Parque, que chegou a ser área de risco, onde traficantes mantinham um sistema eletrônico de cartões de crédito para negociar drogas, renasceu das cinzas com as iniciativas tomadas pela aposentada Nedina Levy.

E aquele amor transbordante das aves reverberou nas bromélias plantadas pelo voluntário Pablo Menezes, nas mangueiras centenárias, nos ipês e orquídeas doados por um supermercado e distribuídas pelas árvores.

Território lotado por gente de todas as idades em fins de semana e feriados, que estendem suas toalhas sobre os gramados e curtem o que de melhor a natureza pode oferecer.

Romeo, Goiabinha e os dois mais recentes cisnezinhos, já adolescentes, compunham o idílico cenário, como se o Rio ainda fosse a cidade maravilhosa, daquelas boas de viver.

Só que a barbárie venceu. E talvez o parque aberto a todos um dia acabe cercado, como tantos outros que necessitaram de grades para permanecer vivos e seguros.

Tragédia que dói demais. E vai custar a sarar.