Aula de mau caratismo

 

Saí de “O aprendiz’ – filme sobre o início da trajetória profissional de Donald Trump - com o estômago revirado. Como os americanos podem votar em um homem tão pernicioso, sem escrúpulos e caráter, que comandou a invasão ao Capitólio sem que nada lhe acontecesse?

Se o jovem empresário vivido por Sebastian Stan ainda tinha alguma ingenuidade quando conheceu o advogado mafioso Roy Cohn (soberbo, por Jeremy Strong) nos anos 1970, levou o aprendizado às últimas consequências.

As três máximas de Cohn - que dominava a arte de corromper políticos e adversários – “atacar sempre”, “nunca admitir culpa” e “se dizer vitorioso em qualquer situação”, o impregnou de tal forma que ele as cita a seu biógrafo, como se fosse ele próprio o autor.

Trump tentou censurar o filme, que começou a carreira no Festival de Cannes e chegou aos EUA em 11 de outubro, após a dificuldade da produção encontrar uma distribuidora disposta a lançar o longa a um mês das eleições. Chegou aqui no dia 17, com uma bilheteria aquém do esperado.

O empresário demonstra a sua falta de humanidade em todas as suas relações, com os pais, com o fracassado irmão mais velho, na conquista da mulher, Ivana, vítima de uma violenta cena de estupro durante o casamento, e com o próprio advogado - a quem deveu sua ascensão como empresário do ramo imobiliário -, abandonado, com Aids, no fim da vida.

Longe de ser uma biografia simpática ao biografado, em suas duas primeiras décadas de crescimento profissional, o longa do iraniano Ali Abbasi é um tapa na cara dos eleitores do candidato Republicano – etapa de sua vida que não chega a ser abordada no filme.

Se já era inacreditável que alguém pudesse depositar seu voto em alguém que se negou a reconhecer sua derrota nas últimas eleições, e não hesitou em insuflar seus seguidores à violência no 6 de janeiro de 2021, fica ainda mais surpreendente que possa optar por esse calhorda depois de ver o filme.

Como se não bastasse sua ausência de conteúdo, sua forma adiposa é explorada na cirurgia de lipoaspiração para remover as banhas abdominais, simultânea ao transplante para disfarçar a calvície. Sempre inflado pelo topete louro.

Fora o uso de anfetamina e sugestão de disfunção erétil.

Até seu ex-chefe de gabinete, o general reformado John Kelly, disse ao New York Times que Trump é fascista e que gostaria de ter generais "como os de Hitler".

Que os americanos consigam acordar enquanto é tempo!