Golpe de terno e gravata

 

Se você, como eu, já está com o espumante na geladeira, à espera da condenação – que já dá para saber como certa pelo primeiro dia de julgamento de Bolsonaro e sua trupe –, cuidado. Hugo Motta, que desconversava sobre a votação da anistia, pretende discuti-la após o histórico veredicto.

E não é só.

Como se sabe, essa semana Tarcísio de Freitas largou o governo de São Paulo e viajou a Brasília, a fim de pressionar Motta, parlamentares aliados a votar a anistia e ministros do STF, o que já rendeu frutos no clã. Ontem, Flávio Bolsonaro deu um atestado de lealdade a Tarcísio pelas iniciativas.

O governador de São Paulo, que a cada dia dá mais um passinho à frente na sua candidatura à presidência, tenta agradar a gregos e troianos. Com o puxa-saquismo aos Bolsonaro, garante a indicação do criador ao seu nome e soma o espólio de 40% dos votos aos seus (ainda magros). Se acerta cada vez mais com a extrema direita e tenta livrar a própria cara das acusações de corrupção que já começam a pipocar.

Imaginemos. A PF passa dois anos recolhendo provas robustas sobre a tentativa de golpe, a PGR assina embaixo a denúncia e o país assiste a um dos mais republicanos julgamentos, com todo o direito de defesa aos réus, ao contrário do que aconteceu a Lula na Lava Jato, como o próprio apontou. Aí o Congresso vota a anistia e passa borracha na decisão do STF.

E, enquanto o ministro Alexandre de Moraes apresentava o passo a passo do processo – e sabiamente cravou; “A covardia não é o caminho para a pacificação” (parecia inspiração premonitória) -, o Senado aprovava a proposta que enfraquece a Lei da Ficha Limpa, por 50 x 24.

O país já cansou de assistir as consequências dessa covardia apontada pelo magistrado. Cito aqui o perdão de Juscelino Kubitcheck aos militares que tentaram sabotá-lo. Um deles, o marechal Castelo Branco, um dos cabeças do golpe de 1964, cassou os direitos de JK e o mandou ao exílio. E o general Augusto Heleno, ajudante de ordens do general linha dura Silvio Frota, que ruminou seu fel para essa nova investida.   

E é assustadora a mobilização da extrema direita durante o julgamento, fundamental para o próximo passo: 64% são contra a prisão de Bolsonaro e 19% a favor, no levantamento da Quaest entre 746 mil menções nas redes sociais.

Pelo visto, será preciso dois espumantes: um para a decretação de prisão de Bolsonaro e de seus generais de estimação. Outro, se essa balela da anistia não vingar. Como disse o colunista Bernardo Mello Franco, agora “a turma quer subjugar o Supremo com um golpe de terno e gravata” (depois que a investida de Donald Trump não deu certo). 

Em tempo: a Constituição proíbe anistia a crimes que envolvam a “ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático”. Portanto, a medida não passaria pelo STF. Ufa!