Uma ambulante cor de rosa
Quem anda de
ônibus já se acostumou a ouvir o discurso que começa assim: “Desculpem
incomodar o silêncio de sua viagem...”. São os camelôs, que descobriram nos
coletivos um terreno fértil para seu negócio, em geral, praticado com
mercadoria roubada. Calça jeans rasgada, camiseta de malha, pochete e sandália de dedo cor de rosa, a voz impostada
e a beleza de Larissa Rodrigues Pinto, 21 anos, não apenas a distingue dos
demais, assim como a grande variedade de doces que oferece em seu isopor, cor de rosa
também, confeccionados aos domingos junto à sócia, Mírian Amorim, 29 anos.
As duas têm
o segundo grau completo e compartilham o sonho de um dia oferecer os doces em
loja própria, tão logo consigam entrar no MEI (microempreendedor individual) e
juntar o dinheiro que já começou a ser separado desde agosto, quando a marca Delícias
da Nianah, apelido desconhecido de Mírian, botou a cara de fora. Mírian, que
tem curso de confeitaria, comercializa os produtos nos shoppings centers,
enquanto Larissa vai, literalmente, à luta, nas linhas BRS 2, para não
incomodar a ‘concorrência’.
Embora nunca
tenha pesado o isopor, que transporta por dia de 50 a 60 doces, o suporte
acolchoado já demonstra que a carga não é das mais leves. Com simpatia e sorriso cativante,
Larissa dá seu recado aos passageiros e, apesar dos preços - de R$ 4,5 para cornetos de chocolate a R$ 3,5 pelas mousses em pote -, costuma voltar para
casa com o isopor quase vazio. Apesar de ser um preço bem superior à média de
R$ 1 que os camelôs cobram por balas e
biscoitos, ela ainda conquista clientes cujo percurso coincide com o seu e,
além das vendas no atacado, já recebe encomendas.
A rotina
começa às 11h, quando ela toma o primeiro ônibus no Catumbi, próximo ao local
onde os doces são confeccionados, no Estácio, e segue rumo a Copacabana. “Vou ‘batendo’ –
expressão que usa para o constante sobe e desce - ônibus até o final de
Copacabana, depois pego a direção contrária até o Riosul e fico rodando até as
18h, quando volto para casa, no Méier”, explica.
Larissa mora
no bairro da Zona Norte com uma tia. Perdeu o pai, churrasqueiro, aos 8 anos e
a mãe, que prestava serviços domésticos, aos 9. Raramente vê o meio irmão por
parte de mãe, bem mais velho que ela. Autopiedade? Nenhuma.
Ela já havia
experimentado o trabalho ambulante na venda de sacolés em blocos de carnaval e
nas praias. “Gosto do contato direto com o público”, diz. Sente-se grata à
generosidade dos motoristas, que raramente deixam de abrir a porta de trás para
ela entrar, “só acontece quando são pessoas mais jovens e inseguras, ou então,
muito mais velhas e cansadas”, resume.
A gana das sócias,
porém, dificilmente iria muito longe sem a colaboração de Mateus Amorim, 22
anos, irmão de Mírian. É ele quem cuida da administração, da página virtual no
Instagran - @deliciasdanianah - e da marca, cuja logo foi ele quem criou.
“Temos um espaço para elogios na página e sempre tem gente falando bem de
nossos doces”, comemora ela.
Os horários
de maior demanda são a hora do almoço, em que os doces fazem a vez da
sobremesa, e o fim do expediente, quando as pessoas sentem mais fome. Larissa
não se queixa de assédio e nem liga quando ouve comentários machistas tipo “se
fosse minha namorada não faria isso”. Namorado, por sinal, não tem. O foco, por
enquanto, é cuidar muito bem de um futuro promissor.
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