Gato por lebre


Ontem fui resolver coisas no Centro e resolvi entrar na Igreja de Nossa Senhora do Carmo da Antiga Sé, centro nervoso da então capital durante o império, na Praça 15. Em 2007, quando saí da IstoÉ, onde trabalhei por 11 anos, ansiava em acompanhar a conclusão da reforma do templo, de setembro de 2006 a 8 de março de 2008, a tempo de comemorar os 200 anos da chegada da corte portuguesa ao Brasil. Além da restauração, havia a promessa de um show de Luz e Iluminação – assim como o do Museu Imperial de Petrópolis. O espetáculo “De tudo fica um pouco” contaria a história do templo com pompa e circunstância e ajudou a empurrar o valor da obra a R$ 11,5 milhões.
A igreja continua relativamente bem conservada. E o espetáculo? O gato comeu! Estranhei ao chegar à secretaria e ser informada de que todos os folhetos relativos à restauração foram encaminhados à Biblioteca Nacional. Hoje de manhã telefonei para o número de contato sobre o espetáculo e ouvi: “Não existe mais”. “Há quanto tempo?”, perguntei. “Há muito tempo”, limitou-se a dizer a funcionária que me atendeu. Para a realização do espetáculo, diga-se de passagem, a igreja recebeu um novo sistema elétrico, feito com tal cuidado que ficou invisível ao olhar. Infelizmente, hoje essa invisibilidade é total.
A restauração da talha dourada assinada pelo mestre Inácio Ferreira Pinto, por volta de 1785, não dá sinais de desgaste. Já a cripta onde estão os restos de Pedro Álvares Cabral permanece fechada à visitação, assim como o acesso ao Museu Arqueológico. E o tal espetáculo se Som e Luz devia mesmo ter muita coisa para contar.
A primitiva capela que existia ali começou a virar a atual igreja a partir de 1761. Com a chegada da corte portuguesa ao Rio de Janeiro, em 1808, o vizinho Paço dos Vice-Reis (atual Paço Imperial) virou casa de despachos da corte. A rainha D. Maria foi instalada no também vizinho Convento do Carmo, ligado à igreja por um passadiço elevado (hoje inexistente) sobre a Rua Direita, atual 1º de Março. E por ser o mais próximo de ‘casa’, o templo foi eleito por D. João VI como a nova Capela Real Portuguesa, pouco depois, alçada a Catedral do Rio de Janeiro, até 1976. Ali, sagraram-se imperadores D. João VI, Pedro I e Pedro II; sediou ainda o casamento da princesa Isabel com o conde D’Eu e o batizado de D.Maria II, filha de Pedro I e futura rainha de Portugal.
E o que poucos sabem, porém, é que antes da chegada da corte, a cidade, já capital do império português, recebia recursos para a construção de sua Sé. Quando D. João chegou e foi procurar a tal Sé, cujo projeto inicial ficava no Largo de São Francisco, só encontrou suas fundações. Inicialmente acabou por se contentar com a pequena igreja da Santa Cruz dos Militares – até hoje existente – como Sé. Gato por lebre desde os primórdios...
 Cripta com os restos de Pedro Álvares Cabral, fechada à visitação
A Sé de frente para a futura Praça 15 nos tempos do império

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