Negacionismo atávico
Não é de hoje que autoridades se comportam de maneira negacionista no
Brasil. A diferença, porém, é que no passado, quando a gripe espanhola matou 15
mil pessoas só entre setembro e novembro de 1918, o conhecimento científico
ainda era ínfimo por aqui. Entre 1918 e 1920, período de maior atividade da
pandemia no Brasil e no mundo, tivemos três presidentes: Wenceslau Braz, Delfim Moreira e Epitácio Pessoa. Cada com seu jeito diante da pandemia.
O para-raio inicial foi o médico Carlos Seidl, diretor geral de saúde pública, que correspondia a ministro da Saúde. Foi ele quem poupou o então presidente Wenceslau Bras. No segundo semestre de 2018 o bicho começou a pegar, quando a espanhola desembarcou nos portos brasileiros. Em meio às mortes que começavam a se multiplicar, ninguém foi mais alvo de acusações do que Seidl.
Diante das primeiras notícias sobre a gripe espanhola o governo brasileiro negou sua gravidade. Os assustadores índices de mortalidade, contudo, obrigaram a adoção das primeiras medidas preventivas, como se vê no artigo de Seidl, de 1919: “Tomei a deliberação de recomendar aqui e nos portos a profilaxia indeterminada, isto é, visando tudo que pudesse ser motivo de transmissão mórbida”.
“Em nossa opinião a misteriosa moléstia foi fabricada na Alemanha,
carregada de virulência pelos sabichões teutônicos, engarrafada e depois
distribuída pelos submarinos que se encarregam de espalhar as garrafas perto
das costas dos países aliados”, era um dos 'jacarés' que circularam na época, via
o jornal Gazeta.
Segundo a historiadora Daiane Silveira Rossi, pós-doutoranda pela Fundação Oswaldo Cruz (FioCruz), “quando a pandemia estourou, as autoridades sanitárias recomendaram que as pessoas se mantivessem em casa e não fossem aos locais públicos. Houve decretos para extinguir algumas práticas comuns, como o hábito de cuspir na rua”, disse ela à BBC.
Quando o médico carioca Theóphilo Torres assumiu o posto de Seidl, convidou Carlos Chagas,
então diretor do Instituto Oswaldo Cruz, para assumir as ações de combate. Só que a pandemia já começava a se arrefecer. E, de 1919 em
diante, os presidentes empurram com a barriga, ‘não é problema meu, não tenho
que resolver tudo’, alegava Epitácio Pessoa, como Bolsonaro, compara a antropóloga Lílian
Schwarcz.
Em 1918, uma das maiores promessas contra a “espanhola” era o sal de
quinino, tratamento usado contra malária e dores nas articulações. Era a cloroquina da vez, também sem nenhum respaldo científico. Nem os piores erros parecem ser capazes de despertar as gerações seguintes.
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