Falta pudor à ‘democracia brasileira’

 




Então, isso passou a ser… esse sujeito foi eleito presidente da República, um cara que exalta a tortura, não é? Então, não há mais vergonha da tortura, não há mais vergonha de se assumir como partidário da tortura, da violência contra os mais fracos, contra os moradores de rua, contra os indígenas, o racismo explícito… existia, tudo isso existia lá (na ditadura), mas era abafado, entende? Era como se houvesse um certo pudor.”

O comentário vem de um dos mais perseguidos artistas pela ditadura militar (1964-1985). Chico Buarque sabe como poucos do que contou em setembro último ao produtor musical Marcelo Cabanas e ao jornalista Beto Feitosa, na conversa resgatada pelo blog de Marcelo Auler. 

Além de mais de dez músicas censuradas, passaram pelo mesmo crivo peças como “Roda Viva” e “Calabar”. A tal ponto que em janeiro de 1969 ele se exilou na Itália.

“Fui detido pelos soldados lá pelo dia 20 de dezembro, passei um dia no quartel e me soltaram, com a recomendação de não deixar o Rio de Janeiro sem uma autorização expressa de um coronel (...) eu tinha marcado uma viagem para Cannes, um festival, e o lançamento de um disco em Roma, então pedi essa autorização e ela foi dada “, lembra Chico ao Observatório da Imprensa.

Agora, o autor de “Apesar de você”, composição da volta do exílio que milagrosamente escapou da censura e logo se tornou um hino contra o regime militar, vê a volta de ventos sombrios assombrarem o país. 

Nós vivíamos debaixo sim de uma ditadura. Não que agora seja um regime democrático absoluto. Há sérios arranhões à democracia que a gente está assistindo (...) Na época era uma ditadura militar, não era outra coisa. Não era dissimulada“.

Fica claro o que ele quis dizer com “não era dissimulada”. Chico aponta o atual desprezo do governo e de seu entorno pela cultura, “por terem uma visão colonizada: agora não, esse governo, essas pessoas que estão no poder e às margens do governo são paranoicas. São doentes, completamente doentes”, lamenta.

E conclui: “Aqui, agora, é diferente porque são muitos grupos de extrema direita e da extrema direita… e essa loucura da internet… e esse presidente da República, celerado, louco, estimulando as agressões às pessoas e à própria democracia".

 (…) O que existia antes, de uma forma mais  “civilizada”,  as pessoas eram presas, e eram torturadas, e morriam dentro da cadeia. Mas ninguém torturava ninguém na rua, ninguém saía com taco de beisebol para matar mendigo na rua...”

(A publicação é de outubro de 2020)

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