Correlação de forças se inverte

 

A política brasileira passou por uma reconfiguração impensável nos dois últimos meses: se inverte a correlação de forças entre esquerda e direita, democracia e autoritarismo.

A direita dava as cartas desde 2015, enquanto a esquerda se reduzia a um papel defensivo. Agora, a direita está defensiva, dividida e desmoralizada, enquanto a esquerda recupera a força de suas bandeiras históricas.

O fim da globalização, a ascensão das redes sociais e a fragmentação do sistema político mudaram o campo de disputa. O governo parecia sem rumo, acuado. A extrema direita pressionava pela anistia a Bolsonaro e atacava o STF, em estratégia trumpista. Enquanto o Centrão buscava a anistia light com a dosimetria, e a PEC da Blindagem, enterrada em segundos no Senado na última quarta-feira.

Ao relegar a votação da isenção do imposto de renda aos 20 milhões que ganham até R$ 5 mil, o Centrão passa a imagem de hostil aos assalariados. Assim como começa a ser visto como inimigo dos pobres ao se opor à escala 6×1.

A retomada da iniciativa política nasce do ato de 10 de julho na Paulista, quando Lula acusa o Centrão de jogar contra os pobres. E, em 20 de junho, a ajuda vem de Trump, com o tarifaço e a inadequada Lei Magnitsky contra Alexandre de Moraes. Buscava a volta da América Latina à órbita dos EUA.

O efeito foi o contrário: reacendeu o nacionalismo defensivo no Brasil. O governo Lula assume esse papel com altivez e prudência, reafirmando a soberania nacional. O Brasil desponta como a maior democracia sobrevivente.

Em seu histórico discurso na ONU, Lula se apresenta como liderança global contra a internacional reacionária de Trump, defende a ordem multilateral e a globalização do Sul, já que no Atlântico Norte grassam o autoritarismo e o imperialismo.

A virada também devolve à esquerda a bandeira da anticorrupção. A aliança entre Centrão e extrema direita para aprovar o combo anistia/blindagem é um tiro pela culatra. Em vez de proteger Bolsonaro e blindar o Congresso, reacende a indignação popular contra a corrupção.

Já o julgamento de Bolsonaro expõe seu caráter golpista e calhorda, contaminando o clã, hoje uma sombra do que já foi. O peso da opinião pública faz o resto nos atos do dia 21.

A direita fica na defensiva, dividida sobre a candidatura presidencial. A esquerda retoma suas bandeiras de desigualdade, anticorrupção e nacionalismo democrático. Lula reaparece nas pesquisas com chances de vitória no primeiro turno, e Tarcísio cogita se manter em SP. O Congresso cai em descrédito, reduzindo as chances de reeleições.

O elogio de Trump a Lula na ONU, sem citar Bolsonaro, é a pá de cal neste cenário, onde tudo se inverte. Parece que o ciclo iniciado em 2015 chega ao fim - e começa a se desenhar um novo mundo.

(Fonte Christian Lynch no Canal Meio)