A volta dos que ainda estão aqui

 


Me senti transportada aos anos 80, quando o fim da ditadura militar (1964-1985) ainda era razão de vida ou morte. Agora, persiste uma causa, filhote daquela época, em que as pessoas continuavam a desaparecer – em menor número do que no trágico governo Garrastazu Médici (1969-1974), que conjugou o milagre econômico à barbárie dos porões.

Com uma diferença fundamental. Ainda não existiam as redes sociais. As mesmas usadas com maestria pela extrema direita, também capazes, contudo, de afastar os jovens de esquerda das ruas. Nesse momento em que precisamos tanto delas para espantar esse fantasma que nos ronda: a anistia.

A anistia para perpetuar os torturadores, que chegaram ilesos a 1964 após aperfeiçoarem sua técnica no Estado Novo de Getúlio. Acabaram de vir à tona remanescentes dessas aberrações: o general José Antonio Belham, então chefe do Doi-Codi e Jacy Oschsendorf e Souza (salário R$ 23.457,15).

Os dois são os únicos sobreviventes dos cinco assassinos de Rubens Paiva. Ainda assim, os nomes só apareceram em efeito colateral ao premiado “Ainda estou aqui”, de Walter Salles. Ainda não se tem notícia de que algo vai acontecer a ambos.

Ontem, como se sabe, o ato convocado à frente do antigo Dops, no Centro, pedia punição de todos os golpistas que atentam contra nossa democracia. A começar pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. Que ainda cometeu o desaforo de elogiar Brilhante Ustra no impeachment de Dilma Rousseff.

Sim, precisamos ir às ruas para clamar contra essa possibilidade, que o Congresso – talvez o mais reacionário que o Brasil já teve – teima em desencavar. 

O local escolhido tinha tudo a ver com o contexto: o Dops, que nasceu ali em 1910 como Repartição de Polícia Pública. Punia negros, pobres e remediados, ameaças à segurança pública. Para se transformar no Dops de Getúlio, onde a tortura começou a comer solta.

E que agora a esquerda quer transformar em Museu de Memória da Tortura, enquanto o governo Cláudio Castro quer fazer dali um Museu da Polícia Militar.

Ontem não eram muitos, e mais uma vez se expunham à ridicularização bolsonarista. Danem-se os minions! O ato fez jus, porém, à história do Rio de Janeiro, que concentrou o maior número de desaparecidos da ditadura, conforme perfil do Ministério dos Direitos Humanos divulgado ontem, a partir dos dados da Comissão Nacional da Verdade.

E, ainda assim, estiveram ali, aos 61 anos da ditadura militar, Rubens Paiva, Frei Tito, Maria Celia Correa, Amaro Luiz de Carvalho, Amaro Felix, Manoel Lisboa, Emmanuel Bezerra, Manoel Aleixo, Nilda Cunha, Marilena Villas Boas, Honestino Guimarães, Helenira Resende, Marco Nonato, Osvaldão... Sem anistia!!! Prisão para Bolsonaro!!!


Parede lateral do antigo Dops, hoje desativado

 

Comentários

  1. O estado brasileiro tem as mãos sujas de sangue. Torturadores impunes é motivo de vergonha para o nosso país. Crimes cometidos pelo estado !!!!

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    1. Pois é, e essa anistia que eles querem agora é para continuar repetindo essas m...

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  2. Carlos Minc
    😔😔🥸🥸🤔🤔
    💥💥💃💃🌲🌲🦉🦉🌻🌻🦋🦋🌏🌏🌈🌈

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  3. M Christina Fernandes
    Em memória de torturados e desaparecidos da ditadura militar, sem anistia!

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  4. Carlos Freitas
    Seu texto foi um filme que vi ao vivo e estava guardado na memória, importante para quem não estava lá, saber a origem do que estamos vivendo agora. A história se repetindo ...

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    1. Se essa anistia sair, vai ser a certeza de que a história continuará a se repetir

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  5. Claudio Savaget
    Como sempre um texto impecável

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  6. Sonia Benevides
    Não pude comparecer a nenhum evento mas reafirmo anistia não

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  7. Jorge Lúcio de Carvalho Pinto
    Só discordo de uma coisa, considerando que, nesse caso, não importam os meios, mas sim os resultados. Não fosse assim, caso as redes sociais tivessem o mínimo de regulamentação e responsabilização, a extrema direita não as usaria com essa propalada eficiência. Ou seja, voam sim porque as redes sociais são terra de ninguém, terra onde tudo é permitido para cooptar incautos para um mundo de ódio e retrocesso civilizatório.

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    1. Concordo plenamente! O Judiciário tenta impor limites que, na prática, cabem ao Congresso. Só que ele não se decide sobre isso. Por sinal, o PL, partido majoritário na Câmara está impondo obstrução total enquanto a anistia não for votada. Que tal?

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  8. Suely Brandon
    É muito triste lembrar esse passado sombrio e ver que há hoje quem o queira de volta.

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