Guerra contra nossa soberania

 

O tarifaço de Donald Trump ao Brasil não é um gesto de solidariedade ou de lealdade a Bolsonaro. Ele inaugura uma nova etapa da guerra híbrida declarada contra o Brasil, para impedir a consolidação de um projeto nacional soberano.

A tal “perseguição” ao ex-presidente e seus filhos serve para mobilizar a base radicalizada da extrema-direita, nos EUA e no Brasil. Só que o real motivo dessa escalada é a crescente autonomia do Brasil, seu protagonismo no BRICS, sua aproximação com a China e o Sul Global, e a decisão de regular as plataformas digitais.

A eleição de Lula e a postura altiva, multilateral, voltada à reconstrução de alianças do hemisfério sul ativaram os alarmes em Washington e no Vale do Silício. A retomada de uma política externa soberana e de enfrentamento à desinformação, à captura algorítmica e abusos das plataformas digitais ameaçam a hegemonia norte-americana.

Embora apresentada como defesa da liberdade de expressão ou da “injustiça” contra Bolsonaro, a resposta de Trump é parte de uma engenharia de conter, pelo colapso tarifário e pelo caos simbólico, o avanço de um Brasil que ousa querer ser ator, e não apenas território ocupado.

É uma guerra, em que o bolsonarismo serve como cortina de fumaça e instrumento de desgaste, não mais como protagonista da história. O Brasil é o primeiro grande país ocidental a declarar que o espaço digital não é terra sem lei, recado a quem ousar desafiar a supremacia digital norte-americana. A punição são as tarifas, manipulação de mercados, desestabilização e campanhas de desinformação.

Ao se insistir na regulação democrática do ambiente digital, o governo Lula tocou numa das feridas mais sensíveis do capitalismo contemporâneo. Afirma que a soberania informacional é um direito do povo e condição para a existência de qualquer projeto nacional de longo prazo.

E, enquanto esse resíduo tóxico da extrema-direita continuar operando como força de sabotagem interna, a instabilidade será permanente. O bolsonarismo não governa, impede que o país governe. Não propõe, bloqueia. Seu papel hoje não é mais ser governo. É ser vírus. Eduardo Bolsonaro sabe que seu pai não será salvo por Trump, que a anistia não virá do Congresso e que o STF não recuará. E que os EUA não moverão seu complexo militar-jurídico-informacional por lealdade a sua família. Mesmo assim, dobra a aposta. Por desespero.

Se o Brasil resistir até 2026, terá vencido não só uma eleição, como a guerra contra o projeto de recolonização digital e financeira, contra a tentativa de transformar o país numa filial algorítmica da política externa norte-americana. Se a vitória acontecer, será do povo brasileiro e das nações que ousarem desafiar a ordem imperial.

(Fonte: Reynaldo Aragon, jornalista especializado em geopolítica da informação e da tecnologia)