Efeitos deletérios do orçamento secreto

 


Todos sabemos que nossa representação no Poder Legislativo é podre, incapaz de agir pelo senso comum. Só que o parlamento é o coração da democracia representativa, defendê-lo é emblemático no compromisso democrático.

O “presidencialismo” de coalizão ia nessa direção. Tínhamos partidos fracos, desprovidos de coesão e de compromisso programático, ainda assim conseguíamos chegar à “governabilidade”. Equivalia à manutenção de um apoio parlamentar majoritário às ações do Executivo. Subtexto: quem governava era o Executivo. (Ou deveria ser).

Se não é possível comprometer os partidos com a gestão do Estado, porque eles não têm sequer essa autoridade sobre os que filia, o presidente garante a governabilidade distribuindo nacos da máquina pública aos deputados e senadores, em troca de apoio nas votações do seu interesse. O arranjo permitia que o governo do Brasil governasse o Brasil. Não mais.

O esquema foi rompido com o golpe contra a presidente Dilma. A chefe do Poder Executivo deixou de ser capaz de comprar o apoio majoritário do parlamento. E a gestão de Temer levou as velhas raposas do Congresso ao poder. Bolsonaro foi um passo além: a aliança vitoriosa da extrema-direita tresloucada com o baixo clero, Carla Zambelli com Onyx Lorenzoni. Foi quando os parlamentares se julgaram com força suficiente para mudar as regras do jogo.

As emendas impositivas reduziram a força do Poder Executivo e sequestraram uma fatia enorme do orçamento federal, livres para serem usadas nos propósitos pessoais dos parlamentares. Hoje as emendas parlamentares consomem um terço do total de despesas obrigatórias. No EUA, essa proporção é oficialmente limitada a 1%.

As emendas impositivas retiram dos ministérios a capacidade de hierarquizar necessidades e decidir investimentos de acordo com eles, em todas as áreas. Beneficiam quem tem a melhor rede de contatos políticos ou sabe puxar os sacos certos.  Distribui benefícios e alimenta lealdades pessoais. 

Age contra o interesse público.

Na Amazônia, quase todas as emendas bancam maquinário que desmata e uma parcela irrisória, de menos de 1%, financia a conservação ambiental. Os acolhimentos às vítimas de violência doméstica são implantados no Ministério das Mulheres não onde são necessários, mas onde há um padrinho político interessado. Os exemplos são intermináveis.

A falta de transparência, que impede o controle democrático, é outro problema grave, vem daí o apelido “orçamento secreto”. Temos um Congresso muito ruim, lotado de políticos oportunistas e venais, que responde apenas parcialmente ao interesse popular. O arranjo político atual, que torna o Executivo refém deste Congresso, é disfuncional. 

Tudo indica que voltaremos a ter uma eleição presidencial tensa. Apesar do favoritismo de Lula, não podemos desprezar a força do dinheiro, os púlpitos das igrejas transformados em palanques e a influência das redes de desinformação bolsonaristas, que continuam intactas.

(Fonte: cientista político Luiz Felipe Miguel)

 

 

 


Comentários

  1. No Brasil, a boçalidade vale dinheiro

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  2. Mindinho Veríssimo
    Orçamento secreto e criminoso. No orçamento 2026, previsto 61 bilhões para nossos "caros" deputados.

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  3. Ainda sujeito a veto de Lula, mas se ele veta toma mais pancada do parlamento

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  4. Maria Da Silveira Lobo
    Isso. 🎯 🥲 como sairemos desta armadilha!?

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  5. M Christina Fernandes
    Só com povo nas ruas exigindo uma Reforma Política, e não com a # congresso inimigo do povo.
    Estamos num 'parlamentarismo' em que o Congresso fica com o tesouro e o Executivo com as contas, sem ter com que pagá-las.

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  6. José Inácio Werneck
    "A democracia é o pior sistema de governo, com exceção de todos os outros" (Winston Churchill). Temos que lutar para melhorá-la, não derrubá-la com golpes de Estado.

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    1. A realidade é que a nossa democracia do jeito que está vira uma encrenca. Ainda assim, ainda não inventaram outro sistema melhor

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  7. Ricardo Alves de Barros
    O inpiechement da Dilma foi golpe? Ele não foi constitucional? Os tanques foram pra rua como em 64? Temer usurpou o poder?

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    1. Eu tb não era feliz com o governo da Dilma, ela mostrou-se uma pessoa autoritária no trato com os demais e a economia não ia bem. Mas o que aconteceu foi um jeitinho. O cientista político sustenta que ela perdeu o poder de barganha com o Congresso e foi essa a causa do seu enterro. Não tece tanque nas ruas. E digamos que um vice que assume o poder jogava contra a presidente, se fosse alguém leal não teria dado no que deu. E mostrou de que lado está quando salvou Bolsonaro do impeachment depois do discurso do 7 de setembro de 2021.

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    2. Ricardo Alves de Barros
      Celina Côrtes mas isso é o Brasil de sempre. Jeitinho, conchavos, jogos do poder, alianças espúrias, toma lá dá cá...não é para amadores.

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    3. Tenho participado do programa Yes nós temos bananas, com o José Inácio Werneck (um jornalista das antigas, como eu), que está há 30 anos nos EUA. Eu e o Humberto Borges descascamos a política brasileira para americanos e brasileiros nos EUA. Realmente o Brasil não é para amadores.

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  8. Jorge Lúcio de Carvalho Pinto
    Meu sonho, construir um Congresso que tenha como foco o país e sua população, sem extremismos, sem misturar religião com política

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    1. A essa altura da vida não consigo acreditar que isso seja possível

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  9. Francisco Humberto Borges
    É bom concordar com as pessoas, especialmente quando elas sabem do que falam, tratam o assunto com respeito e isenção. Explicam as coisas de maneira objetiva, simples. Mas, no caso do Congresso Brasileiro, eu lamento muito que você tenha toda razão, Celina Côrtes. Está clero, digo claro, que a atual legislaturas é uma das piores da nossa história republicana. Vide os bilhões chantageados em emendas parlamentares, dinheiro para reeleger boa parte dessa cambada de... digo o adjetivo assim mostrar as provas. Faltam 500 dias para o 6 de outubro, o dia do povo fazer justiça nas urnas democráticas. Podemos começar consultando nos sites do Congresso, por exemplo, quem votou a favor da impunidade para os golpistas; ou quem são os 100 deputados e 20 senadores indiciados criminalmente, além dos 172 parlamentares implicados em 358 investigações no Supremo Tribunal Federal (STF), por crimes "comuns", como corrupção, falsidade ideológica e outras ninharias legais de gabinete, tipo verba de gasolina. Um terço dos 594 deputados e senadores alugam seus mandato às bancadas notórias da direita. Fiquei devendo um adjetivo, e pago o que devo a "essa cambada de..." inocentes. Nenhum corrupto, nenhum ladrão. Enquanto seus processos continuarem engavetados, são todos inocentes. Reelegíveis. Eles são inocentes até o trâmite em julgado dos processos que não caducarem. Após a prescrição, eu passo a ser um tremendo mentiroso.

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